“ANTÍGONA” E “PROMETEU” EM 2017 [PARTE III]

Mito de Prometeu por Piero di Cosimo, Antiga Pinacoteca, Munique

Pode-se dizer que a ideia do confinamento tenha sido – talvez – o que de mais marcante as montagens atuais de Prometeu Acorrentado/Agrilhoado/Prisioneiro/Cadeeiro capturaram da peça de Ésquilo. 

A imagem do Titã preso é amplamente explorada:




Como sintetiza o professor Jaa Torrano (USP) na apresentação à sua tradução da peça:

“Por que o senhor das cadeias se vê preso nas cadeias? Porque se recusa a participar da realeza de Zeus. Essa recusa de Prometeu tem, nesse drama, a aparente justificativa de que essa exclusão se deva a que o poder exercido por Zeus se deixa descrever como tirania”. (ÉSQUILO. Tragédias. Iluminuras, 2009, p.331)

Aqui, um excerto dessa sedutora tradução – os negritos são meus: 

Por meus conselhos o negrifundo covil
do Tártaro oculta o antigo Crono
com seus aliados. Tais dívidas a mim
o tirano dos Deuses estando a dever
com malignas penas assim me pagou.
Há de algum modo dentro da tirania
esta doença: não confiar nos amigos.
O que perguntais, a causa pela qual
afrontas me faz, eis que esclareço:
ele tão logo sentou no trono paterno
distribuiu privilégios entre os Numes,
e cada qual o seu, e constituiu
o império. Dos mortais coitados
não fez conta, mas queria destruir
o gênero todo e semear outro novo.
Ninguém foi contra isso, exceto eu,
eu ousei: livrei os mortais
de dilacerados irem ao Hades.
Por isso com tais penas me curvo,
dolorosas de sofrer, miseráveis de ver.
(Prometeu cadeeiro, tradução de Jaa Torrano, versos 219 a 238)

Para além do texto esquiliano, que traz um desfile de personagens dialogando com Prometeu sobre a natureza tirânica de Zeus, numa dramaturgia da inação (muito pertinente, visto que Prometeu está convencido de que não há o que fazer a não ser cumprir sua pena à exaustão), o confinamento das montagens atuais pode ser visto como a própria tirania.

É o que faz a Núcleo Arte Ciência no Palco, que montou “Prometeu despedaçado” numa simulação de “escape game” envolvendo oito atores no papel de professores.


Diz o diretor, Carlos Palma, acerca da dramaturgia de Flávio de Moraes:

“A ideia desse espaço onde eles estão confinados é do Flávio. (...) Então, o espaço nos ajuda muito a criar os personagens que existem, que estão ali, que têm vida, mas como eles vão poder sair desse confinamento... assim como nós estamos confinados numa sociedade que nos aprisiona dentro de preconceitos, dentro de situações para as quais nós não encontramos saída”. Veja a entrevistaSaiba o que é o escape game.

A atualização do mito de Prometeu para uma “sala de escape” talvez traga um alento se pensarmos na cooperação exigida do grupo que se dispõe a esse desafio. De posse do poder do conhecimento concedido por Prometeu, o que pode o homem? Coletivamente, reintegrando as informações fragmentadas de um mundo complexo, escapar da tirania, do confinamento? 

As montagens do mito de Prometeu ao longo do ano, todas em São Paulo:

Prometeu acorrentado (inédito) 
Prometeu despedaçado (inédito) 
Prometheus – a tragédia do fogo 


Leia as outras postagens da série “Antígona” e “Prometeu” em 2017: