MEDEA MINA JEJE

Kenan Bernardes como Medeia

Mito: Medeia
Dramaturgia: Rudinei Borges
Temporada: 26.01 a 18.02.18. Sexta (21h30), sábado (19h30), domingo (18h30)
Local: Sesc Ipiranga – São Paulo | SP 
Direção: Juliana Monteiro
Elenco: Kenan Bernardes
Assistido em: 28.01.18
Duração: 40 min
Lotação: 30

Essa Medeia é preta e escrava. O ator faz no espetáculo solo também o capitão do mato Jasão. Essa Medeia tem um filho só, de nome Age (pronuncia-se Aguê), escravo numa mina em Ouro Preto. É melhor Age correr, fugir num dia de chuva, diz essa mãe Medeia, que colhe ervas medicinais e as esconde na casa de taipa. Na mina Jeje, é preciso que o escravo seja miúdo como um grão de terra e, se ele foge, o capitão do mato Jasão o caça e o castra. Medeia arranja uma solução.

A partir da peça grega de Eurípides, o dramaturgo constrói com ator, luz e som, um “poema cênico” (conforme o programa da peça) localizado em Ouro Preto, no século XVIII, optando pela recorrência de alguns termos como “miúdo grão de terra”, “fiapo de Luz”, “mina”, “candeia”, “mar revolto”.

O desenho de som de João Paulo Nascimento é crucial para a ambientação do espetáculo na reduzida arena demarcada por folhas secas, reproduzindo um ambiente árido e sufocante, em que se aguarda o dia de chuva da fuga de Age. Apesar da violência relatada no texto, não há violência explícita – é interna, profunda e cega. 

Aqui, três momentos do texto de Rudinei Borges que tentei recuperar do espetáculo:

– Medeia, Medeia é o nome da mãe do meu filho. Medeia preta. Escravizada e preta, da Vila Rica de Nossa Senhora de Pilar de Ouro Preto, arapuca. Medeia nunca viu ouro. Medeia não carece de ouro aluvião. Medeia não carece de pedra preciosa. Medeia corre no campo à procura de erva. Medeia guarda erva escondida na parede de taipas. Medeia cura com erva aleijões, dores até. (Kenan como Medeia)

– Dizem em cochichos: menino cresce mais alto que teto da mina; é preciso embriagar menino que cresce mais alto que teto da mina. É preciso castrar menino, arrancar fora testículos de menino, só assim não nascerão outros altos. Preto castrado, bicho castrado, acuado no porão, no quarto escuro do casebre acuado, acostado no chão de terra. (Kenan como coro [hipótese])

– Medeia, cães e homens mandei do teu menino atrás. Teu menino fica pendurado sem testículos, sem olhos. [...] Teu menino vai avistar a cegueira da mina, ar rarefeito da mina. Teu menino vai cavar ouro, Medeia, até morrer. Teu menino vai cavar ouro até ouro encher dedos de Jasão, capitão do mato, dentes de Jasão até. (Kenan como Jasão)

Comentário
Tudo sufoca nessa montagem, mas talvez seja mesmo esse o propósito. Pó, calor, escuridão devem evocar – ainda muito pouco, certamente – a experiência do sufocamento da escravidão e da mineração.

A montagem é uma performance poética, com longos momentos sem falas preenchidos por efeitos sonoros e movimento corporal do ator. São breves 40 minutos para os que podem se concentrar num texto delicado para ser degustado, não devorado. 

De Medeia, fica a condição da mãe expatriada e sem saída. Nada de vingança por ciúmes. (Renata Cazarini)